“Não ha temor no amor; ao contrário; o perfeito amor lança fora o temor, porque o temor implica um castigo, e o que teme não chegou a perfeição do amor”

Primeira epístola de João

Lendo o livro “Tudo sobre o amor: novas perspectivas”, de Bell Hooks, me deparei com essa indagação. Ela fala e eu concordo que o dicionário se limita ao definir o amor de uma forma romântica entre homem e mulher, ou que é simplesmente uma afeição profunda.

O amor é muito mais do que afeição profunda por alguém!

Não vou fazer rodeios a definição utilizada para o amor é de M. Scott Peck, “a vontade de se empenhar ao máximo para promover o próprio crescimento espiritual ou de outra pessoa“.

Entenda crescimento espiritual não como religião, mas algo que alimenta nossa alma e que assim proporciona a capacidade de sermos inteiramente autorrealizados e aptos a nos relacionarmos em comunhão com o mundo ao nosso redor.

O ponto que quero chegar é no “crescimento espiritual de outra pessoa” porque justamente aqui entra nossos filhos. A autora segue na definição de amor baseada na de Peck e a estende: amor é a expressão de cuidado, afeição, responsabilidade, respeito, compromisso e confiança.

E agora que o bicho pega e a coisa se aprofunda, porque é nesse momento que descobrimos que muitos de nós, é horrível (de verdade) admitir isso não fomos amados, mas fomos cuidados. E ser cuidado por seus genitores não é ter recebido necessariamente amor.

Onde a violência e a negligência existem não pode existir o amor. Se somos nocivos e abusivos não podemos dizer que amamos também.

Essa experiência de amor verdadeiro, combinação de cuidado, compromisso, confiança, sabedoria, responsabilidade e respeito nutre nosso espírito.

E só vivendo essa experiência seja com um tio, um avô ou um parceiro(a) é possível curar as feridas do passado. Porque só o amor pode curar as feridas do passado.

A grande maioria de nós vem de famílias disfuncionais  nas quais fomos ensinados que não éramos bons, nas quais fomos constrangidos, abusados verbal ou fisicamente e negligenciados emocionalmente, mesmo quando nos ensinavam a acreditar que éramos amados.

Até quem sofreu violências graves na infância morre querendo o amor dos pais. O desamor faz com que se passe a vida buscando em outras pessoas ou instituições a dor daquele primeiro abandono, ansiamos como qualquer criança ferida voltar no tempo e se sentir amada, sentir pertencimento.

Que fique claro, que nossos pais deram aquele que receberam: cuidado. Cuidado faz parte do amor,  mas somente cuidar não significa que estamos amando ou que fomos amados. A falta desse amor consistente não significa falta de cuidado, afeição ou prazer, muitas vezes fomos tão bem cuidados que é fácil ignorar ou não perceber a disfunção emocional que vivemos.

Projetamos no parceiro a responsabilidade de nos dar todo o amor que nos falta e nesses relacionamentos compartilhamos carinho ou afeição verdadeiros o que parece suficiente porque é muito mais do que a maioria recebeu da família de origem.

Mas o principal: amor também é respeito, é responsabilidade com o outro, é compromisso, é confiança. E vamos aprender ou ter a oportunidade de ensinar o que é amor na infância. Não podemos passar a mensagem que amor está num contexto de recompensa ou punição atrelado a bons sentimentos.

Não pode haver amor sem justiça. Se continuarmos vivendo numa cultura que não assegure direitos civis básicos para as crianças, a maioria delas não conhecerá o amor. Saiba que no Brasil esses direitos só foram assegurados em 1990, com a publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA! Antes disso as crianças sequer eram vistas como pessoas pela nossa cultura, sociedade e pelo ordenamento jurídico.

E isso faz com que tenhamos compaixão pelos nossos pais, eles também não tiveram os direitos deles assegurados. E que também tenhamos compaixão com os nossos próprios erros.

Bell Hooks no livro exemplifica de forma brilhante que ficaríamos estarrecidos se escutássemos um homem dizer que toda vez que sua esposa ou namorada  faz algo que lhe desagrada, ele a belisca com força. Todos veriam esse ato como coercitivo e abusivo. Entretanto, a sociedade não consegue reconhecer que está errado um adulto machucar uma criança dessa maneira.

Ninguém acharia que um homem ama uma mulher mesmo toda semana a agredindo com palmadas quando se sente desafiado, quando está nervoso ou sem paciência.

É incrível que mesmo pessoas que se consideram amorosas, defensora de direitos civis, modernas, com a mente aberta, mulheres que defendem o feminismo, pessoas com curso superior, ainda assim quando se trata de crianças possuem a noção de respeito relativizada.

O fato que a maioria de nós cresceu em lares onde a punição era considerada a principal forma, se não a única, de ensinar disciplina, faz com que muitas pessoas não entendem que os ensinamentos podem ser passados sem agressão.

Eu sei que é muito difícil admitir que muitos de nós fomos cuidados, que recebemos carinho e afeição e tivemos momentos prazerosos com nossos pais, mas que isso não basta para termos sido amados.

Isso porque o fato de uma criança ser agredida ou negligenciada pelos pais raramente altera seu desejo de amar e ser amada por eles. E admitir isso é como se os estivéssemos traindo, apontando, julgando, e mais, quebramos uma ilusão, uma história contada por nós pela nossa mente.

O desejo de ser amado por pais negligentes persiste em adultos feridos na infância. As pessoas se apegam à suposição equivocada de que os pais as amam mesmo diante da lembrança do abuso (surras, palmadas, humilhações, gritos, xingamentos) geralmente negando esse abuso e destacando eventuais gestos de carinho.

E o que adianta isso agora? Adianta para transformar a nossa vida. Como fica mais fácil ser uma pessoa amorosa tendo uma definição clara de amor.

Temos a chance de fazer diferente e quebrar esse ciclo vicioso de violência ou negligência. Mudar de fato a sociedade. Imagina o futuro de uma sociedade que em sua maioria é composta por pessoas amorosas, que não ficam como zumbis em busca de algo externo para suprir o vazio que carregam desde sua infância no peito.

Isso é evoluir como humanidade. E é na força do amor que eu acredito.

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Carol Nazar é criadora do Carol Nazar Babies, onde compartilha suas experiências sobre maternidade.

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