O João ama a Peppa e toda família pig, fiz até um mêsaniversário para ele com esse tema (veja aqui), mas sempre ouço muitas críticas de pais ao desenho.
Por isso, quando vi o Post do blog Papo de Pracinha perguntando se seria a Peppa Pig nociva para as crianças, não resisti em fazer o repost aqui para que os meus leitores também possam fazer essa análise.
Antes de mais nada, que fique claro que não é nada recomendado crianças com menos de 2 anos de idade assistirem televisão ou vídeos no celular, há inúmeros artigos neurocientíficos falando sobre o assunto. Por outro lado, estaria mentindo se dissesse que o João não assiste. Ele vê desenhos, por no máximo uma hora na parte da manhã. Sei que nem isso ele deveria fazer, mas de fato, atualmente, não consigo fazer com que ele não assista (erro completamente meu).
Confira o texto da Angela Meyer Borba e da Maria Inês de C. Delorme escritoras do Papo de Pracinha (blog fantástico que super indico a leitura) abaixo.
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Seria a Peppa Pig nociva para as crianças?
Já se pode comemorar 10 anos que a Peppa Pig e sua família saíram da Inglaterra para estrear no Brasil, inicialmente no canal a cabo Discovery Kids. Desde então, eles só vieram acumulando sucesso junto à criançada.
Paramos para pensar na vida da Peppa e de sua família para tentar entender de que modo e em que medida ela poderia ser nociva e ameaçadora para a educação das crianças, como nos asseguram alguns pais. Sim, há adultos argumentando que “a Peppa seria debochada para com o seu papai Pig, a quem ela chama, eventualmente, de bobinho e que isso poderia ser uma influência ruim para seus filhos”. Será?
Seriam as crianças uma audiência passiva, homogênea e que sofreriam uma impregnação direta, linear, a partir de tudo o que veem na televisão? É claro que há coisas mais ou menos adequadas para crianças na mídia, mas, se fosse possível “tomar as crianças como robôs repetidores do que veem”, seria possível veicular apenas desenhos românticos, doces, pacíficos, que apresentassem bons modos e atitudes de generosidade “para salvar o mundo de todos os males” e, com ele, a população infantil. Podemos garantir que as crianças não se configuram como uma audiência acrítica e que não copiam, mas recriam, “ressignificam” o que veem, mesclando com aspectos muito próprios, subjetivos.
Em geral, preferimos opinar sobre produtos que são oferecidos às crianças ouvindo-as, sabendo o que elas acham sobre cada um deles. Dessa vez, no entanto, não foi possível e, por isso, consideramos apenas o sucesso comprovado da Peppa Pig com o público infantil, para, de certa forma, defendê-la.
Para começar a defesa da Peppa reafirmamos que magia, fantasia e encantamento são elementos fundamentais ao desenvolvimento das crianças. E, ao contrário do que se pensou um dia, esses elementos não se opõem ao pensamento lógico, racional, mas são potencializadores deste. O pensamento lógico, por sua vez, não deve ser tomado como mais importante do que todas as outras dimensões do pensamento humano.
Nesse sentido, acreditamos que a família Pig, que tem na Peppa a sua figura central, saiba contar como é a dinâmica dessa família com encantos que agradam às crianças. Cor, som, movimento e padrões estéticos favoráveis, agregados ao fato de ser a “menina” Peppa quem puxa o fio da história, com seu senso próprio de justiça, sua visão de família e de mundo, com certeza, contribuem para o seu sucesso. São vários pontos entrelaçados que ajudam na promoção do encontro das crianças com situações comuns, reais e imaginárias, que se identificam com parte do cotidiano delas na relação com suas famílias. Da família Peppa fazem parte também os avós, idosos e, muitas vezes, outras crianças-filhotes de outros animais: elefantes, coelhos etc. Há diversidade de modos de viver, diversidade de jeitos de ser e todos são tratados respeitosamente. Mesmo na casa da Peppa, os filhos não são iguais, ela e o George não gostam de comer as mesmas coisas, por exemplo, e os adultos são diferenciados. Eles podem gostar de brincadeiras como pular com suas botas em poças de lama, tão atraentes para as crianças. Mas quantos adultos não gostariam de ousar criar ou participar de algumas brincadeiras infantis, como essas e tantas outras?
Podemos lembrar ainda que, na história dos desenhos animados, vários deles já fizeram muito sucesso com as crianças, outros não. Lembram da Família Dinossauro, que agradou muito? E, os Teletubbies que não agradaram tanto? De tempos em tempos, esses fenômenos midiáticos acontecem e, não por mero acaso, mas com uma pitada de imprevisibilidade, já que nunca se pode garantir, antecipadamente, qual será a sua recepção. E isso não acontece só com o público infantil, ainda mais sendo ele de diferentes partes do mundo.
Um dos pontos interessantes dessa produção se refere à solução encontrada pela equipe de criadores da família Pig para apresentar a equação entre desenvolvimento, imaginação e aprendizagem. Pode-se ver a família reunida brincando de jogo da memória com objetos conhecidos, dentro da casa deles, por exemplo, ou todos usando lentes de aumento (lupas) para analisar vestígios de bolo de chocolate no chão de casa. Embora os desenhos animados não devam, nem precisem, ter caráter didático-pedagógico, quase sempre eles buscam “ensinar” algo às crianças, além de diverti-las. Nesse caso, a forma como isso é apresentado nos desenhos animados, muitas vezes é desastrosa. Nesse quesito a equipe que produz a Peppa Pig também foi feliz e as crianças indicam gostar.
Desenhos animados que ensinam às crianças os numerais, o nome das letras, certos comportamentos e bons modos e, também, a repetir determinadas palavras em ordem etc. são considerados por muitas pessoas como “educativos”, embora não façam tanto sucesso com as crianças e, menos ainda, com a turma do Papo de Pracinha.
Não entendemos o sucesso da Peppa Pig como um fanatismo infantil, nem ontem nem hoje, como alguns adultos pensam. As crianças precisam de figuras como essas, também de heróis e vilões para cultuar, para alimentar o seu imaginário e se organizarem internamente. Os padrões estéticos da Disney e dos desenhos japoneses precisam dividir esse mercado do desenho animado com outros traços, olhares, movimentos e cores, ou seja, com outras estéticas. É muito bom que lhes sejam oferecidos pela televisão desenhos variados que tenham sido pensados e produzidos tendo como foco as crianças e as culturas infantis. Essas mesmas crianças, no entanto, devem ter acesso também a bons livros de literatura infantil, à musica variada, ao teatro, ao cinema, às linguagens artísticas em geral e aos esportes.
É importante lembrar, ainda, que as crianças dispõem do que os adultos disponibilizam para elas. O desenho animado da Peppa Pig já foi veiculado apenas em canal fechado, hoje está disponível para todas as crianças em canal aberto. Esse fato, além de ampliar a audiência da Peppa, favorece o contato de todas as crianças, também, com os aspectos comerciais da TV no Brasil, e isso tem consequências graves quando pensamos em crianças. Desse modo, as famílias têm responsabilidade direta sobre o que elas vêm, sobre o que comem, sobre o que consomem. Assim, cabe a cada família decidir o que deve ser estimulado, comprado, assistido e celebrado pelas suas crianças.
Sabe-se que as crianças que conversam com os seus adultos de referência sobre o que veem na televisão podem se fortalecer muito para o exercício da crítica, dos valores e da ética. Assim, quando a Peppa chama seu pai “de bobinho” ela não está chamando todos os pais de bobos, mas abrindo uma porta de diálogo entre pais e filhos, entre crianças e adultos sobre os valores que pautam cada relação familiar.
(*) Autoras: Angela Meyer Borba e Maria Inês de C. Delorme